Projeto «Cuidar» destaca crescimento da responsabilidade e «envolvimento das organizações» na proteção de menores

A coordenadora executiva do projeto Cuidar, Ana Sofia Marques, destacou hoje, em declarações à Agência ECCLESIA, que “tem crescido” a “responsabilidade e o envolvimento das organizações no cuidado e proteção” face aos maus tratos e abusos sexuais.

“Tem crescido muito a vontade das organizações de levarem estes temas para a formação contínua dos trabalhadores, ser algo que está permanente e que não é um tema que surge para resolver problemas”, afirmou a responsável esta manhã.

Com o tema “Como reparar – Uma resposta aos maus tratos e abusos”, o Centro de Estudos dos Povos e Culturas de Expressão Portuguesa (CEPCEP), da Universidade Católica Portuguesa (UCP) promove hoje, na Sala de Exposições, um encontro que reúne organizações da Igreja e sociedade, abordando, entre vários pontos, a educação e prevenção.

“A prevenção é algo que é feito de muitas pequenas coisas e de muita gente”, referiu Ana Sofia Marques, nomeando como exemplos o recrutamento seguro, o pedido de registos criminais e a sensibilização através da comunicação.

Nós não esperamos que uma criança ou um jovem, de uma forma muito organizada, marque um atendimento, peça ajuda de uma forma muito estruturada, mas se tiver hábito de partilha daquilo que o incomoda, da forma como se sente e quem o escuta à volta, seja a família, seja os educadores, seja quem está à sua volta, está mais preparado e mais sensibilizado para escutar, também se consegue de uma forma mais fácil perceber que aquela partilha pode ser um pedido de ajuda e não estarmos só à espera de denúncias concretas”, indicou.

A psicóloga Susana Martinho Oliveira sublinha que o trauma nestas situações “é muito impactante”, principalmente ao nível do desenvolvimento do cérebro e do desenvolvimento global, ainda mais quando ocorre durante a infância.

“E depois há aqui um outro compromisso seríssimo que é a confiança no outro. […] Se existe um outro ser semelhante, um adulto em quem confiamos que era suposto nos dar amor, cuidar de nós e essa pessoa não consegue ser responsiva às nossas necessidades emocionais, físicas e cognitivas, isto vai deixar muitas lesões na construção da saúde física, cognitiva e emocional da pessoa”, aponta.

O impacto leva as vítimas a precisar de fazer acompanhamento psicológico para trabalhar as “memórias traumáticas, para se conseguirem ajustar na sociedade, principalmente no que diz respeito a estabelecer relações saudáveis com os outros, a estabelecerem relações saudáveis com elas próprias e a conseguirem ter mais funcionalidade na sua vida”, refere a psicóloga.

O prolongamento no tempo dos abusos deixa muitas consequências e, se até aos dois anos de idade, uma criança for alvo de muitos maus tratos, a vinculação segura com os cuidadores e com pessoas na vida adulta fica “comprometida”.

As reparações física, psicológica e financeira são temas em destaque no encontro, estando esta última a ser trabalhada pela Igreja Católica.

A Conferência Episcopal Portuguesa anunciou em abril a criação de um fundo para compensações financeiras para vítimas de abusos sexuais na Igreja Católica, cuja apresentação formal de pedidos se iniciou em junho e prolonga-se até dia 31 de dezembro de 2024.

Até ao momento, contabilizam-se 39 pedidos de reparação financeira.

“Trabalhar o tema da reparação é um tema da ordem do dia, portanto dá-nos uma visão de futuro e também perceber que esta questão da reparação tem implicações do ponto de vista daquilo que é a modalidade como nós realizamos o acompanhamento das pessoas. Reparar é uma palavra com muito significado do ponto de vista teológico e da espiritualidade cristã. Toda a teologia da reparação tem a ver com devolver à pessoa a sua identidade e a sua dignidade face a um mal que foi feito”, afirmou o padre Tiago Neto, diretor do setor da Catequese do Patriarcado de Lisboa.

Segundo o sacerdote, o tema da reparação não deve ser trabalhado “como uma coisa leve, mas como algo que tem a ver com a integridade da pessoa toda”.

“É fundamental não reduzirmos a reparação a aspetos monetários ou jurídicos, mas termos em conta aquilo que é o acompanhamento pastoral da pessoa toda, de modo a devolver-lhe aquilo que é a sua dignidade. Nós acreditamos que a pessoa pode ser curada e isso é muito importante, nós temos consciência disso. Toda a pessoa pode ser curada, pode-se curar e, de facto, tudo aquilo que nós fizermos nesse sentido é muito relevante”, assinala.

 

Artigo republicado de Agência Ecclesia.