Neste encontro abordou-se a crescente preocupação com a questão dos abusos, mais centrada na vítima e não na imagem das organizações.
A preocupação pela questão dos abusos é o resultado da consciência cada vez mais viva do seu efeito devastador na vida de quem sofre um abuso.
Já se sabia que era grande o sofrimento das vítimas quando a violência acontece, e que era lenta ou muito lenta a cicatrização. Não se sabia, mas sabe-se agora cada vez mais, que esse dano não é só o do abalo profundo das emoções e o da torção do caminho da vida. É também o dano neurológico: a transformação do cérebro e o compromisso sério das suas capacidades de
gerar e gerir relações interpessoais gratificantes e com significado.
O abuso é um sofrimento injusto e violento, mas essa dor ainda não é o trauma. O trauma é o que acontece a seguir: as longas e, por vezes, irremediáveis e dolorosas dificuldades físicas e psicológicas que o abuso desencadeia.
Esta maior consciência tem consequências:
1. Na interação com as vítimas
Implica apurar a arte da escuta. Implica que quem acolhe uma revelação saiba garantir o lugar seguro que a vítima necessita, sem questionar, julgar ou opinar e que saiba encaminhar a situação para profissionais, psicólogos ou psiquiatras e para a família.
2. Na avaliação dos agressores
Implica incluir a consciência de que o abuso padecido gera, caso não haja um devido acompanhamento, propensão para a prática de novos abusos, numa espiral que é preciso contrariar.
3. Na prevenção
Implica a necessidade inadiável de alargar a todos os âmbitos de interação com menores e pessoas vulneráveis o alcance da formação sobre prevenção, trauma, acompanhamento, reparação e justiça restaurativa.
4. Nas organizações
Implica mudar o foco. O ponto não é agora interiorizar boas práticas para recolha, encaminhamento e resolução das sempre embaraçosas situações de abuso. É assumir um posicionamento novo que leve a organização a dizer: “se existe a simples possibilidade de haver alguém cuja vida foi violentada no âmbito da nossa organização, então não descansaremos enquanto não
fizermos tudo para ajudar a curar, ou pelo menos, aliviar esse sofrimento”.
A tomada de consciência dos abusos, sendo inegavelmente um processo triste e longo, está, porém, a trazer à luz mais ciência, melhor arte de escutar, novos caminhos de cura e reparação.
Há um caminho feito, e muito caminho por fazer. Foi já dito e redito, e não foi demais dizê-lo e redizê-lo.
Por isso, importa continuar a sensibilizar.
A sensibilização deve crescer de forma a que cada cidadão, consciente da realidade do abuso e do trauma que lhe segue, saiba o que deve fazer e quando o deve fazer, e que, além disso, faça o que deve fazer e quando o deve fazer.
A sensibilização deve crescer de forma a que cada organização, consciente da realidade do abuso e do trauma que lhe segue, saiba o que deve fazer e quando o deve fazer, e que, além disso, faça o que deve fazer e quando o deve fazer.
Uma última nota, em mais este encontro organizado pelo Projeto Cuidar e apoiado pela Porticus, voltámos a ter uma experiência positiva. Foi bom estarmos juntos, foi bom partilharmos as nossas dificuldades, e foi bom sentir em todos a mesma preocupação, um mesmo desejo de entreajuda e igual compromisso de fazer, a cada dia, um pouco melhor.